UM LUGAR AO SOL | 10 ANOS DA MOSTRA A CIDADE EM MOVIMENTO
Não há tempo para distopias. A singularidade dos nossos tempos aponta para uma subjetividade que busca se expressar por meio de conquistas no campo do existir, não apenas por ações a favor de um mundo habitável, mas pela adoção de modos saudáveis de sobrevivência, no que tange às relações de interação entre seres humanos e mais-que-humanos.
Um lugar ao sol propõe uma reflexão acerca do nosso lugar de pertencimento. Como ocupar esse lugar que nos é de direito? Trata-se do exercício contínuo de reconhecimento e acolhimento da pluralidade de subjetividades e desejos, bem como da abertura para outros formatos e configurações não convencionais de relações entre corpos que se transformam no ato do sentir – ao sonhar, projetar e materializar novos cenários de vida.
A ideia não é ignorar as sombras que nos compõem coletivamente – vide guerras físicas, nucleares, biológicas, psicológicas –; mas deixar que vários fachos de luz provenientes de um emissor tão potente quanto o sol, ultrapasse as nossas retinas, espalhe-se rapidamente pela epiderme, e remova qualquer obscurantismo do pensamento.
Completando sua 10a edição como uma janela fundamental para o cinema mineiro, A cidade em movimento traz um recorte daquilo que é mais pulsante em termos estéticos, conceituais e transgressores na produção dos realizadores de Belo Horizonte e Região Metropolitana. Nós que já galgamos nossa faixa de areia em meio ao concreto e um pedaço de mar imaginário na Praia da Estação, – e fomos crias do movimento hip-hop, da cultura do skate, do pixo, do graffiti, do duelo de MCs, do slam das manas e do carnaval de luta –, somos constantemente desafiados a compor sinfonias complexas que revelam a força da rua.
A curadoria das edições anteriores da mostra foi articulada com maestria pela pesquisadora, realizadora e produtora cinematográfica Paula Kimo. Com um olhar atento e sensível, vale destacar que muitos foram os filmes, diretores, atrizes e convidados que integraram seus quadros, além dos muitos que ainda virão, apontando para o futuro que queremos.
A grade curatorial da presente edição está distribuída em cinco sessões, composta por 13 filmes, sendo dois longas-metragens e 11 curtas-metragens. Com seleção eclética de gêneros – incluindo documentários, híbridos e ficções – as sessões foram pensadas a partir de um lugar de encontro, fluxo e receptividade, abordando situações que regem a sociedade, a cultura e o meio ambiente, assim como questões contemporâneas de gênero, sexualidade e identidade.
ATOPIAS é uma sessão que remete a algo fora do lugar, estranho, absurdo e/ou singular. Já a sessão HETEROTOPIAS apresenta narrativas não-hegemônicas que criam espaços de reflexão, contestação ou compensação em relação à ordem social dominante. UTOPIAS é uma sessão que está atrelada ao conceito de onírico, com qualidades altamente desejáveis ou praticamente perfeitas. A sessão SINTOPIAS refere-se a um fazer coletivo que modula e potencializa a realidade. E, por fim, ENTROPIAS pode ser entendida como a medida da mudança dentro de um sistema. Ao ativar a liberdade do ser, promove-se uma fissura necessária no tecido social. Como diria o poeta Chico Science: “um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”.
Assim foi pensada a programação da mostra A Cidade em Movimento de 2025, com filmes feitos com muita coragem e, na maioria dos casos, com baixo orçamento. Sabemos que essa é uma profissão hercúlea e que, ainda que tenhamos que avançar radicalmente em termos de políticas públicas no setor audiovisual brasileiro, o coletivo de trabalhadores e operárias do cinema segue capturando um lugar ao sol para todos, ao iluminar a existência e a experiência humana como um farol.
Bruna Piantino
Curadora
Sessão Atopias – Em Busca dos Cinco Sentidos – um pequeno relicário de sensações é inaugurado pelo filme Carlito(s), dirigido por Pedro Rena. Uma alegoria que une as visões de Charles Chaplin e Carlos Drummond de Andrade, num deslocamento poético presente na genialidade de suas obras. Na sequência, Um Ato de Corpo Inteiro, documentário de Marianna Fagundes, amplifica a dimensão do som na vida de uma bailarina que, privada do sentido da visão, consegue enxergar muito além dos limites fisiológicos. O terceiro filme, intitulado Ressaca, de Pedro Estrada, é uma espécie de catarse coletiva onde teatro e vida se confundem em uma toalete matinal, estrelada por Teuda Bara. Por fim, Mandinga, ficção de Mariana Starling, encerra a sessão com um conto sobre abuso de poder e assédio sexual contra a mulher dentro do universo do trabalho corporativo.
Após a sessão, Roda de Conversa com a presença dos diretores e convidados.
Participação especial: Sara Não Tem Nome – Artista e curadora| MG
Sessão Heterotopias – Da Revolução Cromática à Ventura Migratória – está marcada pela tática de irrupção de um presente novo no cerne do presente estabelecido. O filme Vidas (Ou)Vidas – Yusuf, de Luís Evo, trata da imigração curda, numa fusão do conceito de pátria com o propósito de vida. Vemos que a humanidade, assim como as aves, migra para poder sobreviver, prosperar e se abrigar ao redor do globo. Babilônia, de Duda Gambogi, retrata uma noite de festa de transformismo em Güira de Melena, o principal ponto de encontro da comunidade LGBTQIA+ em Cuba. A protagonista é a jovem drag Elizabeth de Victoria, que enfrenta desafios para ser aceita na cena local. Em Tudo o que Quiser, de Mariana Machado, são retratadas relações amorosas fluidas, tendo como elemento primordial a magia que atravessa as nossas vidas.
Após a sessão, Roda de Conversa com a presença dos diretores e convidados.
Participação especial: Bella Gonçalves – Deputada estadual| MG
Sessão Utopias – Cantar para Encantar – um único filme dirigido por Arthur B. Senra compõe essa sessão – Lagoa do Nado – A Festa de um Parque. A alegria e a música são as grandes aliadas na luta pela implantação do Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado em Belo Horizonte – idealizado em 1984 e inaugurado apenas uma década depois. O sonho e o encantamento são as armas usadas por um grupo de ativistas que refletem o contexto político, histórico, cultural e ambiental da cidade. Durante um concerto ao vivo, entoam em uníssono: “Viva a vida!”.
Após a sessão, Roda de Conversa com a presença do diretor e convidados.
Participação especial: Eduardo de Jesus – Professor | MG
Sessão Sintopias – Modos de Coexistência – o fazer junto é o que move a quarta sessão da Mostra, ampliando o sentido de coexistir para transformar. Não Quero Ser Capeta, Não!, de Duna Dias e Leonardo Augusto, é um registro antológico das quadras do Vilarinho, em Venda Nova. O local, point da juventude negra e pioneiro do baile funk na cidade, embalou mais de cinco milhões de frequentadores, sendo fechado após quatro décadas de diversão. Mesclando a dança e a feitiçaria da lenda doCapeta do Vilarinho, o filme revive a força do espaço numa narrativa insólita, carregada de realidade e ficção, humor e medo, memória e esquecimento. Escuta pra Cê Vê, curta de Arthur Medrado e Thamira Bastos, insere a câmera como um dispositivo coletivo de mediação com as comunidades quilombolas de Tejuco, Marinhos e Ribeirão, em Brumadinho (MG). De um lado, a cultura viva da ancestralidade, de outro, a denúncia da exploração mineratória na região. Pandemias, de Ben-Hur Nogueira, relata o trabalho de dois ativistas dos direitos humanos que, inspirados pelo programa de erradicação da fome dos Panteras Negras norte-americanos, lutam para alimentar os moradores do Morro das Pedras, durante a maior crise sanitária do Brasil. De Ludmilla Cabral, PPL É Quem? é uma obra que, atravessada por um rico acervo fotográfico, sintetiza com talento e inventividade memórias vivas e futuros possíveis para os habitantes da primeira favela de Belo Horizonte, a Pedreira Prado Lopes.
Após a sessão, Roda de Conversa com a presença dos diretores e convidados.
PaParticipação especial: Daniel Carneiro – cineasta | MG
Sessão Entropias – O Livre-Arbítrio como Catalisador – como um ponto fora da curva, a ficção magistral de André Amparo e Cris Azzi – Sou Amor – narra a trajetória psicológica ascendente de seu protagonista. Por meio de trocas com pessoas e grupos que pensam e vivem questões relacionadas a gênero e sexualidade, Robson reúne forças para conquistar a aceitação de sua família e se defender das atrocidades do mundo. Na cena final, um muro com a seguinte inscrição: “Viver é melhor que sonhar”.
Após a sessão, Roda de Conversa com a presença dos diretores e convidados.
Participações especiais:
Barbara Macedo – artista plástica, pesquisadora e arte-educadora do SUS | MG
Bárbara A Tortato – cozinheira, filósofa, professora de italiano e psicanalista | MG