O FUTURO QUE AGORA É PRESENTE
Ao mesmo tempo em que o público da CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte se conecta com o presente do cinema, tendo a oportunidade de assistir aos filmes latino-americanos propostos pela curadoria, um grupo de profissionais do cinema mundial entra em contato com projetos brasileiros que apontam para possíveis futuros filmes, apresentados no contexto do Encontro de Coprodução Brasil CineMundi. Alguns anos depois, esses projetos podem ocupar o lugar do “presente”, projetados na tela grande, em alguma sala do festival. Na programação da 19ª CineBH, espalhadas por diferentes sessões, temos nove obras que foram abrigadas na programação do Brasil CineMundi como projetos ou obras em processo (Work in Progress).
Em 2025, o Brasil CineMundi, evento de mercado que acontece no ambiente da CineBH, chega à sua 16ª edição promovendo o encontro entre representantes dos projetos selecionados e convidados nacionais e internacionais das mais diversas áreas – produtoras, distribuidoras, agentes de venda, curadores de festivais, programadores etc., com o objetivo de fortalecer a produção independente autoral brasileira e ampliar sua presença internacional.
Os projetos participam das atividades do programa de formação CineMundi Lab e de rodadas de negócios. Mais recentemente, além das já tradicionais categorias voltadas para os projetos (Horizonte, DocBrasil e Foco Minas), o programa passou a oferecer também a seção Work in Progress, que exibe obras em fase de montagem e ocorre em duas versões: Primeiro Corte, no âmbito da CineBH/Brasil CineMundi, e Corte Final, na Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro, em conexão com o Brasil CineMundi.
A Mostra Brasil CineMundi deste ano apresenta cinco filmes que passaram pelo encontro ainda em fase de projeto e/ou nas sessões Work in Progress. Elas representam a diversidade de formatos, temáticas e aproximações da rica cena cinematográfica independente do Brasil.
A seleção inclui a animação de Minas Gerais, Nimuendajú, dirigida por Tania Anaya, que chega às telas nove anos depois de sua passagem como projeto pela sétima edição do CineMundi, em 2016. A animação é um campo que enfrenta muitas “barreiras de entrada”: trata-se de um formato trabalhoso, que necessita de investimento, tempo de desenvolvimento e trabalho superespecializado e, além disso, é dominado por marcas estrangeiras muito fortes, voltadas sobretudo para o público infantil e adolescente. Esse longo intervalo de realização do projeto reflete as dificuldades do formato no Brasil, e como filmes de animação, incluindo aqueles voltados para um público mais adulto, precisam de atenção e apoio. Nimuendajú narra a história de Curt Nimuendajú, nascido Curt Unckel, etnólogo alemão que, de 1903 até sua morte, em 1945, se dedicou ao estudo das culturas indígenas brasileiras Guarani, Apinayé, Canela-Ronkokamekra e Tikuna. O filme foi selecionado para o maior e principal festival de animação do mundo, o Festival de Annecy.
Em outra chave, As Muitas Mortes de Antônio Parreiras, dirigido por Lucas Parente, também se inspira na trajetória de um personagem real – no caso, o niteroiense Antônio Parreiras (1860-1937), pintor, ilustrador, desenhista e escritor, conhecido principalmente por suas paisagens. Com uma abordagem definida por seu diretor como uma “tragicomédia absurdista”, o filme participou da sessão Work in Progress – Corte Final em 2023, e foi selecionado para o FidMarseille, na França, em 2025.
Quando participou do CineMundi, em 2019, no 10º Brasil CineMundi, A Vida Secreta dos meus Três Homens se chamava simplesmente Arquivos. O mais recente trabalho de Letícia Simões, diretora de Casa e de Nós, é uma reconstrução ficcional e poética de acontecimentos e personagens muito próximos da diretora, dando continuidade à sua investigação sobre a construção de uma certa identidade brasileira a partir de uma história marcada pela violência.
A Natureza Secreta das Coisas Invisíveis, estreia na direção de longas de Rafaela Camelo, de Brasília, participou da sessão WIP – Primeiro Corte em 2024 e foi selecionado para a Mostra Generations do Festival de Berlim de 2025, dedicada a obras voltadas para o público jovem. A história parte do encontro de duas crianças no ambiente de um hospital para discutir temas difíceis de forma sensível. A estreia no Brasil se deu na competição do Festival de Gramado.
Livremente inspirado na novela de Henry James, A fera da selva, Suçuarana marca o encontro de dois nomes fundamentais do cinema mineiro contemporâneo: Clarissa Campolina e Sérgio Borges. Nele, acompanhamos Dora (Sinara Teles), uma mulher que vive há dez anos pelas estradas brasileiras em busca de Suçuarana, terra desconhecida e aparentemente misteriosa que sua mãe mencionava. O filme participou das seções WIP Primeiro Corte em 2023 (quando ainda se chamava A Fera da Selva), WIP Corte Final em 2024, e foi exibido no Festival Internacional de Chicago, nos EUA, no Festival de Roterdã, na Holanda, e no Festival de Brasília, entre vários outros.
Além desses cinco, outros quatro filmes cujas trajetórias passaram pelo Brasil CineMundi podem ser conferidos em outros segmentos da CineBH. Três deles estão na Mostra Vertentes. Morte e Vida Madalena, novo filme do diretor Guto Parente (Estrada para Ythaca, 2010; Inferninho, 2018; Estranho Caminho, 2023), participou da seção WIP Corte Final 2024 e, como As Muitas Mortes de Antônio Parreiras, estreou no FID Marseille 2025. Apenas Coisas Boas, com direção de Daniel Nolasco, esteve no WIP Primeiro Corte em 2024 e participou dos festivais de Guadalajara, no México, Frameline (São Francisco, EUA) e Olhar de Cinema, em Curitiba. O documentário A Voz de Deus, dirigido por Miguel Antunes Ramos, por sua vez, foi projeto em desenvolvimento no 11º BCM (2020), participou do WIP Primeiro Corte em 2023, e do WIP Corte Final em 2025. O filme teve sua estreia no festival Olhar de Cinema, em Curitiba, em 2025.
Na Mostra Conexões será exibido Cais, de Safira Moreira, que participou do Brasil CineMundi como projeto em desenvolvimento em 2018 e, posteriormente, do WIP Primeiro Corte em 2023. Sua primeira exibição também foi no festival Olhar de Cinema, em Curitiba.
Pedro Butcher
Curador