DANÇANDO COM AS IMAGENS
A Praça da Liberdade recebe o público da 19a CineBH em 2025 como palco de encontros, escuta e celebração. Em espaço aberto, com o cinema a se projetar sobre o horizonte da cidade, a música é elemento de ligação na edição de 2025, compondo corpos, memórias, afetos, narrativas e registros dos mais variados. Cada filme este ano traduz, de modos particulares, não só a música, mas a musicalidade como forma de estar no mundo, ora sendo gesto de resistência, ora canto íntimo, como invenção íntima e lúdica ou conexão entre culturas. A experiência coletiva e a céu aberto nas paisagens da região deverá ampliar os efeitos dessa musicalidade e dar a cada filme um frescor singular.
Em Ritas, a dupla de diretores Oswaldo Santana e Karen Harley mergulham na multiplicidade da cantora e compositora Rita Lee. Este documentário prefere a celebração fragmentada e íntima ao retrato definitivo. A artista surge em entrevistas inéditas, gravações pessoais e animações psicodélicas que traduzem sua irreverência, humor e verdade. A trilha sonora, claro, forma a própria narrativa e conduz o espectador por um multiverso de Ritas. Entre ironia, doçura e ousadia, ela pulsa e transforma o filme em extensão de si, inclusive ao registrar imagens de si própria, não pensadas para uma tela de cinema e por isso tão desprendidas de maiores compromissos que não fossem seus estímulos internos. O filme destaca ainda como a artista sempre se reinventou, mesmo nos momentos mais difíceis e sem perder a musicalidade como fio condutor da vida. Rita, em Ritas, é celebrada tanto como mito quanto uma mulher ordinária que transcende os imaginários.
Lagoa do Nado: A Festa de um Parque, dirigido por Arthur B. Senra, resgata uma história de mobilização em Belo Horizonte nos anos 1980 e 1990, quando a música se tornou linguagem de união em torno da criação do Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado. O documentário mostra que, diante da burocracia e da demora na implantação do parque, o canto e a celebração foram as armas escolhidas por um grupo de ativistas. Ao transformar a luta em festa, o filme revela como a música pode ser uma força política, social e ambiental, vibrando em coro o desejo de vida plena na cidade. Mais do que registrar um movimento, o filme sugere que a cultura tem o poder de moldar os espaços urbanos e a forma de se relacionar com eles. O concerto que atravessa a narrativa, com vozes em uníssono gritando “viva a vida!”, sintetiza a fusão entre arte e ação coletiva. Na Praça da Liberdade, a projeção do filme ecoa esse mesmo espírito de encontro comunitário.
No caso de Milton Bituca Nascimento, a diretora Flávia Moraes faz o retrato afetuoso e grandioso de um gigante das artes brasileiras. Ela acompanha a turnê de despedida de Milton Nascimento e revela a intensidade de uma circulação atravessada pela fragilidade do corpo e sustentada pela força da música. Depoimentos de parceiros como Wagner Tiso e Chico Buarque, a presença luminosa de Fernanda Montenegro e os momentos íntimos com a família revelam um Milton que transcende o indivíduo e mostra um herói cultural. Entre silêncios e canções, Flávia Moraes capta a beleza dos vários tempos que se acumulam em Milton, num tributo comovente ao seu legado.
Por fim, o projeto de cine-concerto Tela Sonora propõe a fusão entre imagem e som ao vivo, unindo curtas-metragens de animação brasileiros à criação musical eletrônica da dupla Xavier Garcia e Jérôme Lopez. Integrantes do coletivo francês Arfi, os artistas compõem uma paisagem sonora que mescla escrita contemporânea, gravações de campo e cantos indígenas. As animações de Iuri Moreno, Alois di Leo, Guilherme Gehr e Marcos Magalhães ganham outra dimensão quando atravessadas por essas sonoridades, criando um espetáculo em que cinema e música se tornam simbióticos inclusive por ocuparem o espaço ao vivo. A experiência é única porque cada exibição se renova no improviso e no diálogo entre os artistas e público. Dessa maneira, o cine-concerto não apenas acompanha as imagens, mas as reinventa, como se fosse sempre a primeira vez.
A Mostra Praça em 2025 chega, então, com esse convite a escutar o cinema e a assistir à música. Entre histórias, vozes e imagens, o espaço público se torna também espaço poético, e o tempo das imagens e dos sons é dividido entre todos ali, nas ondas das ruas, das paisagens, da arquitetura e das presenças.
Marcelo Miranda
Curador